Maisa Fabiani Carrasqueira
Patricia Carneiro Lima
Thayene Pissinato Beltrão Della Nina
Kaio Ribeiro Costa
Luís Fernando Corrêa Pinto
Pedro Linhares Della Nina
RESUMO
Este trabalho apresenta o panorama jurisprudencial envolvendo a Solução de Consulta n.º 354 – COSIT, que estabeleceu, em questionável conclusão da Receita Federal a noção de que as contribuições extraordinárias destinadas ao equacionamento do déficit possuíam enquadramento tributário diferente das contribuições normais.
Para melhor compreensão, inicialmente é apresentada a diferenciação entre as contribuições normais e extraordinárias.
De forma contínua é exposta a Solução COSIT, os argumentos da doutrina especializada sobre tema, o padrão decisório nos mais variados Tribunais, finalizando com os recentes julgados da Corte Superior de Justiça.
Da análise realizada, constatou-se o equívoco da Solução COSIT n.º 354 de 2017 manifestado pelo entendimento jurisprudencial majoritário, no qual há a manifesta ideia de que as contribuições extraordinárias pagas para equacionar o resultado deficitário nos planos de previdência privada podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto de renda, observado o limite de 12% do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos.
INTRODUÇÃO
O objetivo do presente trabalho é apresentar o panorama jurisprudencial envolvendo a Solução de Consulta n.º 354 – COSIT, que estabeleceu, em questionável conclusão da Receita Federal, datada de 06 de julho de 20171, a noção de que as contribuições extraordinárias destinadas ao equacionamento do déficit possuíam enquadramento tributário diferente das contribuições normais, razão pela qual não seriam as ordinárias tributáveis pelo Imposto de Renda, ao passo que as contribuições extraordinárias poderiam compor a base de cálculo do Imposto de Renda, ensejando tributação.
A Receita Federal, ao publicar a decisão que permitiu a dedução, apenas, das contribuições ordinárias, motivou muitos contribuintes, participantes de planos de benefícios previdenciários, administrados por Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), a buscarem na Justiça o direito a dedução da base de cálculo do imposto de renda das contribuições extraordinárias, na medida em que a lei não faz qualquer restrição.
Em 2018, a Turma Nacional de Uniformização da Justiça Federal, ao editar o Tema nº 171, firmou a tese de que as contribuições extraordinárias, voltadas a custear déficit dos planos de previdência privada, podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto de renda, dentro do limite legalmente previsto.
Em 13 de setembro de 2023, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão publicado nos autos da AREsp nº 1.890.367/RJ, afastou, por unanimidade, a incidência do Imposto de Renda retido na fonte de Pessoa Física (IRPF), sobre as contribuições extraordinárias efetuadas pelos participantes e assistidos dos planos de benefícios administrados pelas EFPC.
Em que pese a referida decisão não possuir efeito vinculante para todos os tribunais, representa importante passo para a sedimentação do tema, de modo a trazer maior segurança jurídica para os contribuintes.
1 Observe-se que muitas Entidades, principalmente aquelas com patrocinadores públicos, reguladas pelo LC n.º 108/2001, apresentaram quadros deficitários nos meados da década passada, o que, pelo volume de participantes e de valores envolvidos, ensejou a análise e formação, ainda que fruto de premissas questionáveis, da Solução COSIT n.º 354.
Considerando a relevância dessa matéria, discorreremos sobre os elementos que envolvem a discussão, na forma dos pontos a seguir expostos.
1. DAS CONTRIBUIÇÕES NORMAIS E EXTRAORDINÁRIAS
A princípio, destaca-se que, sobre a incidência do imposto de renda nos benefícios recebidos de Entidade de Previdência Complementar, o fato gerador ocorre no momento da percepção do benefício recebido ou do resgate das contribuições, de acordo com o art. 33, da Lei n.º 9.250/95: “Art. 33. Sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte e na declaração de ajuste anual os benefícios recebidos de Entidade de Previdência privada, bem como as importâncias correspondentes ao resgate de contribuições.”
Inclusive, segue a regra jurídica relacionada à dedução da base de cálculo do imposto de renda, dentro do limite de 12%:
Lei n.º 9.250/95:
Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas:
– de todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos, os não tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à definitiva;
– das deduções relativas:
(…)
e) às contribuições para as Entidades de Previdência privada domiciliadas no País, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios Complementares assemelhados aos da Previdência
Social;
E, ainda, os requisitos exigidos pela Lei nº 9.532/97, dispostos no art. 11, in verbis
Art. 11. As deduções relativas às contribuições para Entidades de Previdência privada, a que se refere a alínea e do inciso II do art. 8º da Lei no 9.250, de 26 de dezembro de 1995, e às contribuições para o Fundo de Aposentadoria Programada Individual – Fapi, a que se refere a Lei no 9.477, de 24 de julho de 1997, cujo ônus seja da própria pessoa física, ficam condicionadas ao recolhimento, também, de contribuições para o regime geral de Previdência social ou, quando for o caso, para regime próprio de Previdência social dos servidores titulares de cargo efetivo da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, observada a contribuição mínima, e limitadas a 12% (doze por cento) do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos. (Redação dada pela Lei nº 10.887, de 2004)
No que concerne às Entidades de Previdência privada, por força de comando constitucional2, a normatização infraconstitucional3é translúcida ao condicionar a concessão de benefício à anterior formação de custeio:
Art. 9º As Entidades de Previdência Complementar constituirão reservas técnicas, provisões e fundos, de conformidade com os critérios e normas fixados pelo órgão regulador e fiscalizador.
(…)
Art. 18 O plano de custeio, com periodicidade mínima anual, estabelecerá o nível de contribuição necessário à constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais despesas, em conformidade com os critérios fixados pelo órgão regulador e fiscalizador.
(…)
§ 3º As reservas técnicas, provisões e fundos de cada plano de benefícios e os exigíveis a qualquer título deverão atender permanentemente à cobertura integral dos compromissos assumidos pelo plano de benefícios, ressalvadas excepcionalidades definidas pelo órgão regulador e fiscalizador.
No que se refere à formação do custeio em si, há a definição certeira sobre a essência das contribuições necessárias para a formação do fundo de Previdência, com a evidente divisão, e subsequente conceituação, entre contribuições normais e extraordinárias, cujo conceito decorre da:
Art. 19. As contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar.
Parágrafo único. As contribuições referidas no caput classificam-se em:
I – normais, aquelas destinadas ao custeio dos benefícios previstos no respectivo plano; e II – extraordinárias, aquelas destinadas ao custeio de déficits.
E, como artigo nodal da Lei Complementar n.º 109/2001, ao menos para o escopo do presente trabalho, o art. 69, parágrafo 1º, da Lei Complementar n.º 109/2001, não deixa nenhuma margem interpretativa, asseverando que não haverá nenhum tipo de tributação incidente sobre contribuições de qualquer natureza:
2 Como sabido, o art. 202 da Constituição Federal de 1988 é decorrente da Emenda Constitucional n.º 20, a qual atribui à Previdência Complementar a natureza contratual (dessa forma, facultativa), tendo como obrigação a formação de prévio custeio:
Art. 202. O regime de Previdência privada, de caráter Complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de Previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei Complementar.
3 Do mesmo modo relevante o art. 2º da Resolução CNPC n.º 41/2021:
Art. 2º Entende-se por plano de benefício de caráter previdenciário na modalidade de benefício definido aquele cujos benefícios programados têm seu valor ou nível previamente estabelecidos, sendo o custeio determinado atuarialmente, de forma a assegurar sua concessão e manutenção.
Parágrafo único. Não será considerado para fins da classificação de que trata o caput o benefício adicional ou acréscimo do valor de benefício decorrente de contribuições eventuais ou facultativas.
Art. 69. As contribuições vertidas para as Entidades de Previdência Complementar, destinadas ao custeio dos planos de benefícios de natureza previdenciária, são dedutíveis para fins de incidência de imposto sobre a renda, nos limites e nas condições fixadas em lei. § 1º Sobre as contribuições de que trata o caput não incidem tributação e contribuições de qualquer natureza.
§ 2º Sobre a portabilidade de recursos de reservas técnicas, fundos e provisões entre planos de benefícios de Entidades de Previdência Complementar, titulados pelo mesmo participante, não incidem tributação e contribuições de qualquer natureza.
Conforme se observa, a destinação e finalidade de ambas as contribuições (normais ou extraordinárias, cuja nomenclatura tem o propósito de classificar através da periodicidade e da excepcionalidade4) é a mesma: viabilizar o pagamento dos benefícios mediante a constituição prévia de reservas matemáticas.
Assim, se a lei não faz distinção, não cabe ao intérprete criar essas diferenciações. As contribuições extraordinárias, que são destinadas ao equacionamento do déficit, não podem ter enquadramento tributário diferente das consideradas contribuições normais e, dessa forma, não seriam tributáveis pelo Imposto de Renda até o limite de 12%, conforme preconizado pela legislação vigente.
2. DA SOLUÇÃO DE CONSULTA N.º 354 – COSIT
Apesar da obviedade da norma, a Receita Federal, em claudicante resposta à consulta de 06 de julho de 2017, distinguiu o tratamento tributário das contribuições previdenciárias, algo que era não previsto na legislação, da mesma forma como materializado na Solução COSIT 354 de 2017.
Como se extrai da decisão ora ementada, formulou-se consulta por interessado individual, que ignorou a essência das contribuições ordinárias e extraordinárias, afirmando que as extraordinárias não deveriam ser deduzidas no Imposto do Renda.
4 Apesar de não ser esse o escopo do trabalho, a assertiva merece maiores esclarecimentos. A diferença entre ambas é que as contribuições normais servem para a formação de uma reserva matemática, com objetivo de pagar os benefícios, e as contribuições extraordinárias servem para recompor a parcela que foi perdida:
“custeio de déficits, serviço passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal”. As contribuições, sejam extraordinárias ou ordinárias, são descontadas da folha de pagamento, não possuindo os participantes disponibilidade econômica e jurídica do valor.
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA – IRPF EMENTA: CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA A PLANO FECHADO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. INDEDUTIBILIDADE.
As contribuições extraordinárias, ou seja, aquelas que se destinam ao Custeio de déficit, serviço passado e outras finalidades não incluídas na Contribuição normal, às Entidades Fechadas de Previdência Complementar, não são dedutíveis da base de cálculo do imposto sobre a renda de pessoa física. DISPOSITIVOS LEGAIS: Constituição Federal (com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993), art. 150, § 6º; Lei Complementar nº 108, de 29 de maio de 2001, art. 6º; Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, arts. 18 a 21, 68 e 69; Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, arts. 4º, inciso V, e, 8º, incisos I e II, alínea e; Lei nº9.532, de 10 de dezembro de 1997, art. 11; Instrução Normativa SRF nº 588, de 21 de dezembro de 2005, art. 6º. ASSUNTO: PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL EMENTA: CONSULTA. INEFICÁCIA PARCIAL. É ineficaz a consulta quando, na hipótese de versar sobre situação determinada ainda não ocorrida, não fique demonstrada a efetiva possibilidade de sua ocorrência e, quando não indique os dispositivos da legislação tributária sobre cuja aplicação haja dúvida. DISPOSITIVOS LEGAIS: Instrução Normativa RFB nº 1.396, de 16 de setembro de 2013, arts. 1º, 3º, § 2º, inciso IV, e §8° e 18, incisos I e II”
3. DA TORRENCIAL DOUTRINA ESPECIALIZADA E DO PADRÃO DECISÓRIO
Em lide envolvendo participante da Fundação Banrisul, no mês de maio de 2017, foi prolatada sentença de improcedência do pedido autoral, tendo a 5ª Turma Recursal Federal – do TRF 4ª Região5reformado a decisão a quo, sob o fundamento de que se afigurava “evidente que a quantia paga à Fundação Banrisul de Seguridade Social a título de contribuição extraordinária instituída em razão de déficit do plano não configura acréscimo patrimonial, de modo que os contribuintes possuem direito à dedução do valor correlato da base de cálculo do imposto de renda”.
Devido ao Pedido de Uniformização formulado pela Fazenda Nacional, no início do ano de 2018 – momento em que, de fato, começaram as discussões acadêmicas e jurisprudenciais a respeito da Solução COSIT 354 – houve a admissão e afetação da relevante questão a ser submetida a julgamento: “saber se o direito à dedução da base de cálculo do imposto de renda das contribuições extraordinárias instituídas em razão de déficit dos planos de Entidades de Previdência privada estaria limitado ao percentual de 12% previsto no art. 11 da Lei n. 9.532/97”.
No final do ano de 2018, a Turma Nacional de Uniformização – TNU, ao firmar o tema 171, criou, de forma firme e tempestiva, importante padrão decisório sobre a matéria, em oposição
5 Recurso Inominado n.º 5008468-36.2017.4.04.7108, relatado pelo Juiz Federal José Ricardo Pereira, julgado em 31 de outubro de 2017.
à Solução COSIT 354, firmando a seguinte premissa: “as contribuições do assistido destinadas ao saneamento das finanças da Entidade Fechada de Previdência privada podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto sobre a renda, mas dentro do limite legalmente previsto (art. 11 da Lei nº 9.532/97)”.
Naquele momento, foi criado o padrão decisório pelo TNU, que adotou a lógica de que as contribuições extraordinárias deveriam ser utilizadas para reduzir a base de cálculo do imposto de renda (dentro dos limites da lei).
Em julho de 2020, a ABRAPP, em seu festejado blog, e fazendo referência às lições da Ilustre Professora Patrícia Linhares, já indicava o problema e a necessidade de se avançar no Projeto de Lei, até então não analisado pelo Poder Legislativo, para pacificar de vez a celeuma:
Essa imprecisão no entendimento da Receita Federal vem na contramão do fomento à poupança previdenciária e gera uma série de problemas por penalizar os participantes das Entidades Fechadas. “No caso das EFPC que têm déficit, o déficit não foi gerado por um ato ou omissão do participante, sempre foi em função de uma conjuntura. Então, penalizar o participante ao não ter a dedutibilidade de sua contribuição extraordinária é ilegal, pois a lei não faz essa restrição, e ainda gera um problema de bitributação no resgate desses recursos”, ressalta Patrícia.
A advogada acrescenta que em matéria de Direito Tributário compete à lei definir o tratamento tributário. A RF tem o poder de fiscalizar e arrecadar, mas não de definir o tributo. “Quem define o tributo é a lei – princípio da Legalidade, assegurado na Constituição Federal. Então, não há margem para a Receita restringir aquilo que a lei impôs como possibilidade de dedução”, ressalta.
Pauta no IMK – Esse problema foi assunto de um dos grupos de trabalho do IMK (Iniciativa do Mercado de Capitais) em 2019, e contou com proposta apresentada pela Abrapp.
A proposta resultou em uma minuta de Projeto de Lei com vistas a acrescentar dispositivos à Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, de forma a deduzir na base de cálculo do IRPF o valor das contribuições extraordinárias vertidas por participantes e assistidos a planos de benefícios de EFPC. “Após a conclusão dessa minuta no final do ano passado ainda não houve novidades sobre o assunto dentro do Ministério (da Economia)”, informa Lígia Ennes Jesi, Coordenadora-Geral de Seguros e Previdência Complementar.” 6
Em Opinião publicada no Consultor Jurídico, Rodrigo Ribeiro Leitão, no final de 2019, foi esclarecedor ao apresentar a problemática do tratamento tributário da contribuição extraordinária vertida à Entidade Fechada de Previdência Complementar, concluindo:
6In Abrapp em Fogo no site: Dedução das contribuições extraordinárias: problema a ser solucionado – Blog Abrapp Em Foco (consultado em 06/11/2023)
Podemos concluir, portanto, que o déficit atuarial apurado nos planos de benefícios definidos da Previdência Complementar e equacionados na forma do art. 21 da LC 109/01, não pode ser admitido como acréscimo patrimonial para fins de incidência do imposto de renda, devendo ser tratado como hipótese de não incidência e lançado como “rendimentos” não tributáveis pelos fundos de pensão, por representarem a exata medida da falta de recursos do plano de benefícios. E por fim, cumpre alertar que caso tais valores sejam considerados renda e, havendo a exação, for superado o valor equivalente a 12% do total de rendimentos auferidos pelo contribuinte, haverá a ocorrência de bis in idem. Afinal, tais valores retornarão ao fundo já tendo sido expostos a tributação, e comporão, novamente, a base de cálculo do imposto quando do resgate na forma de benefício ou pensão. 7
Matheus Melo, por sua vez, apresentando aspectos laterais da FUNCEF, aduziu, também em Opinião publicada no Consultor Jurídico no mês de outubro de 2020, crítica direta à Solução COSIT n.º 354:
Pelo exposto, temos que a contribuição previdenciária destinada à constituição de reservas para o fundo de pensão sempre tem como finalidade futura o custeio do benefício previdenciário almejado — independentemente de sua classificação, normal ou extraordinária. Ou seja, tanto a contribuição normal como a extraordinária têm como objetivo viabilizar o pagamento dos benefícios mediante a constituição de reservas.
(…)
Diante disso, é absurdo conceder tratamento tributário diferenciado às contribuições previdenciárias privadas com base, tão somente, em sua denominação classificatória, quando não há previsão legal para tanto.
Tendo em vista o entendimento equivocado da Receita Federal e a fundamentação legal que contra-argumenta essa viciada posição, nasce o direito de todos os participantes (ativos ou aposentados) que estão custeando a Funcef por meio de contribuições extraordinárias a requererem judicialmente a dedução dessas contribuições no Imposto de Renda — que já tem vários resultados positivos em todo o país. 8
Guilherme de Castro Barcellos, em parecer ofertado à FAPERS no início do ano de 2019, apresentou evolução sobre o assunto, desde a lógica proveniente da Solução COSIT n.º 354, ultrapassada pela Tese n.º 171 do TNU, e pelos precedentes da Justiça Federal que, naquela época, começavam a surgir.
Em que pese a decisão acima tenha de ser cumprida pela FAPERS consoante as razões já apresentadas, é importante referir que o Castro Barcellos Advogados se sensibiliza com a situação vivenciada pelos participantes e assistidos da Entidade. E se sensibiliza especialmente pelo fato de, se por um lado a Entidade deve cumprir a determinação da COSIT nº 354/17, por outro lado o poder judiciário federal vem julgando procedente as ações judiciais movidas por participantes irresignados com o entendimento exigido pela Secretaria da Receita Federal. Os resultados das ações judiciais vêm reconhecendo a possibilidade de dedução do valor das contribuições extraordinárias para cobertura de déficit atuarial da base de cálculo do imposto de renda da pessoa física. As decisões judiciais têm se posicionado no
7In Consultor Jurídico no site: https://www.conjur.com.br/2019-set-26/opiniao-ir-incidente-deficits-previdencia Complementar (consultado em 03 de novembro de 2023). 8In Consultor Jurídico no site: https://www.conjur.com.br/2020-out-22/matheus-melo-imposto-renda contribuicoes-funcef (consultado em 03 de novembro de 2023).
sentido de admitir a dedução dessas contribuições da base de cálculo do imposto sobre a renda, limitados ao teto de 12% do rendimento bruto anual do contribuinte, pessoa física. O posicionamento do Judiciário tem levado em conta a tese firmada pela Turma Nacional de Uniformização – TNU, por meio do verbete nº 171, suscitada pela União Federal por meio do processo nº 5008468- 36.2017.4.04.7108, pelo qual se buscava saber se o direito à dedução da base de cálculo do imposto de renda das contribuições extraordinárias instituídas em razão de déficit dos planos de Entidades de Previdência privada estaria limitado ao percentual de 12% previsto no art. 11 da Lei n. 9.532/97.
(…) Por fim, Castro Barcellos Advogados opina pela boa viabilidade de sucesso de os próprios participantes e/ou assistidos, na via de ação judicial, individual ou coletiva, contra a União Federal, reverterem a impossibilidade de dedução de contribuições extraordinárias da base de cálculo do imposto de renda da pessoa física imposta pela COSIT nº 354/17. 9
4. DOS RELEVANTES PRECEDENTES DE 2º GRAU
Tudo começou no Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Em tal tribunal havia considerável número de demandas envolvendo a Solução de Consulta n.º 354 – COSIT, todas inerentes à má intepretação, com a devida vênia, do art. 11 da Lei n.º 9.532/97, e aos arts 19 e 69 da Lei Complementar n.º 109/2001.
No primeiro precedente apresentado, produzido anteriormente à formação da Tese n.º 171 do TNU, a 2ª Turma do TRF da 4ª Região começou a formar a jurisprudência que se surgiu em razão do déficit ocorrido na Previdência Complementar Fechada da Fundação Banrisul, frisando que o decisum ora analisado autorizava a dedutibilidade acima dos 12%, conforme ementa a seguir:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. RENDIMENTOS RECEBIDOS DE ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DAS CONTRIBUIÇÕES VERTIDAS À ENTIDADE. AFASTAMENTO DO LIMITE LEGAL DE 12%. CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA. POSSIBILIDADE.
1. A competência atribuída ao legislador ordinário para instituir o Imposto de Renda abrange os fatos que importem na percepção de “renda e proventos de qualquer natureza” – art. 153, inciso III, da Constituição Federal.
2. Tanto a renda quanto os proventos pressupõem, necessariamente, a existência de acréscimo patrimonial. Não há renda e tampouco proventos de qualquer natureza sem acréscimo patrimonial (STF, Pleno, RE 117.887, rel. Min. Carlos Velloso, 2.1993), ou seja, sem alteração positiva do patrimônio (num determinado lapso temporal).
[…]
5. As contribuições para os planos de Entidades de Previdência privada objetivam, como regra, a formação de uma reserva matemática para o pagamento dos benefícios A situação dos autos mostra-se diversa, já que se discute a hipótese de contribuição extraordinária cobrada em razão dos déficits apresentados pelo plano.
9 Parecer disponibilizado no site da FAPERS em: https://fapers.org.br/new-portal/wp content/uploads/2019/03/Opinião-Legal.pdf (consultado em 06 de novembro de 2023).
6. A contribuição extraordinária é quantia que não visa à formação de reserva matemática, mas à mera recomposição da parcela que foi perdida. Em verdade, configura, por via transversa, redução temporária do benefício percebido, já que a simples redução de valores é vedada pelo art. 21, § 2º, da LC 109/2001.
7. Afigura-se evidente que a quantia paga à Fundação Banrisul de Seguridade Social a título de contribuição extraordinária não configura acréscimo patrimonial, de modo que os contribuintes possuem direito à dedução do valor correlato da base de cálculo do imposto de renda independentemente do limite de 12%.
(TRF4, AC 5040791- 21.2017.4.04.7100, Segunda Turma, Relatora para Acórdão Luciane Amaral Corrêa Münch. Julgado em 05/07/2018).
Posteriormente, a própria 2ª Turma do TRF da 4ª Região, quando do julgamento da Apelação Cível n.º 5000361-33.2018.4.04.7119, de relatoria do Desembargador Federal Sebastião Ogê Muniz, julgado em 20/11/2019, reconheceu que, à luz do art. 11 da Lei n.º 9.532/97, as contribuições normais e extraordinárias deveriam receber igual tributário, dentro do limite de dedução de 12%. Houve, dentro da 2ª Turma do TRF da 4ª Região, verdadeiro overruling.
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. RENDIMENTOS RECEBIDOS DE ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DAS CONTRIBUIÇÕES VERTIDAS À ENTIDADE. CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA. POSSIBILIDADE DO LIMITE LEGAL DE 12%.
. A base de cálculo do IRPF devido no ano-calendário corresponde, na forma da Lei n. 9.250/95, à diferença entre os rendimentos tributáveis e as deduções admitidas pela legislação tributária.
2. As deduções relativas às contribuições para Entidades de Previdência privada são limitadas a 12% (doze por cento) do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos, consoante determina a Lei n. 9.532/97. Não se trata, portanto, de deduções sem limite.
3. Reforma da sentença.
Outrossim, no mês de novembro de 2019, a 1ª Turma do TRF da 4ª Região, no julgamento da Apelação Cível n.º 5000352-57.2017.4.04.7135, de relatoria do Juiz Federal Francisco Donizete Gomes, declarou, peremptoriamente, que as contribuições extraordinárias também deveriam ser consideradas para efeitos de isenção de Imposto de Renda, respeitada a regra de limite dos 12%, conforme dita o art. 11, da Lei n.º 9.532/97:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. RENDIMENTOS RECEBIDOS DE ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. AFASTAMENTO DO LIMITE LEGAL DE 12%. CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA.
A quantia paga à Fundação Banrisul de Seguridade Social a título de contribuição extraordinária deve ser deduzida valor correlato da base de cálculo do imposto de renda observado o limite de 12% previsto em lei para a isenção.
O quarto precedente, e que talvez seja o mais importante, por ter sido afetado nos moldes do art. 942, do CPC, a 2ª Turma do TRF da 4ª Região, no julgamento da Apelação Cível n.º 5022971-77.2017.4.04.7200, no mês de outubro de 2019, também de relatoria do Desembargador Federal Sebastião Ogê Muniz, sacramentou entendimento que, nos moldes do art. 11, da Lei n.º 9.532/97, as contribuições extraordinárias deveriam ser consideradas para o cálculo do IR, dentro do limite de 12%:
TRIBUTÁRIO. JULGAMENTO SOB O RITO DO ARTIGO 942 DO CPC. IMPOSTO DE RENDA. ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA. DEDUÇÕES. LIMITE. OBSERVÂNCIA.
1. A base de cálculo do IRPF devido no ano-calendário corresponde, na forma da Lei n. 9.250/95, à diferença entre os rendimentos tributáveis e as deduções admitidas pela legislação tributária.
2. As deduções relativas às contribuições para Entidades de Previdência privada são limitadas a 12% (doze por cento) do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos, consoante determina a Lei n. 9.532/97. Não se trata, portanto, de deduções sem limite.
3. Reforma da sentença.
Dessa forma, percebe-se que a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região reconhece o direito à dedução com relação às contribuições extraordinárias, instituídas pelo art. 19, § único, inciso II, da Lei Complementar n.º 109/2001, limitando-o ao percentual de 12% do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos, de encontro com o que determina o art. 11, da Lei n. 9.532/97.
No TRF da 2ª Região, há poucos precedentes colegiados sobre essa questão, eis que as principais demandas se concentraram nos Juizados Especiais Federais, com a formação rápida da compreensão da celeuma pelos juízes federais, tendo a Procuradoria da Fazenda Nacional deixado de apresentar recurso para que não incidisse encargos processuais oriundos de um recurso não provido10.
De todo modo, há precedente da Terceira Turma do TRF da 2ª Região, que acolheu a tese dos participantes e afastou a incidência do Imposto de Renda sobre as contribuições extraordinárias, como se percebe da ementa abaixo:
MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRIBUIÇÕES EXTRAORDINÁRIAS À PETROS. IMPOSTO DE RENDA. INVIABILIDADE. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. LEI COMPLEMENTAR 109/2001. SEGURANÇA CONCEDIDA. REEXAME NECESSÁRIO E RECURSO DESPROVIDOS.
(TRF da 2ª Região, Reexame Necessário n.º 5037092-25.2018.4.02.5101, Relator: Desembargador Federal Marcus Abraham, Julgamento 03/03/2020)
10 Nos moldes do art. 55, da Lei n.º 9.099/95, aplicável à Lei n.º 10.259/2001.
A 3ª Turma do TRF – 2ª Região, no mês de agosto de 2020, ratificou todo o entendimento já produzido sobre a controvérsia e reconheceu a procedência de pedido de dedutibilidade das contribuições extraordinárias, respeitados os limites da lei, de 12%:
TRIBUTÁRIO. ENTIDADE FECHADA DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA DO ASSISTIDO. DEDUÇÃO DA BASE DE INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA. POSSIBILIDADE, DESDE QUE OBSERVADO O LIMITE DE 12% PREVISTO NO ART. 11 DA LEI N. 9.532/97.
1. Diante da vedação da redução dos valores dos benefícios aos assistidos, fica autorizada a instituição de contribuição adicional para cobertura do acréscimo ocorrido em razão da revisão do plano, nos termos do art. 21, §2º da LC nº 109/01.
2. Nos termos do art. 19, II da LC nº 109/01, tanto a contribuição adicional (cobrada dos aposentados) quanto o aumento da contribuição dos participantes (ativos) das Entidades Fechadas de Previdência privada gozam de natureza de contribuição extraordinária, inexistindo razão lógico-jurídica para que recebam tratamentos diversos das contribuições normais, no que tange ao cálculo de imposto de renda. Todas as contribuições (normais e extraordinárias) devem ser consideradas como despesas dedutíveis da base de cálculo do imposto de renda, até o limite de 12% (doze por cento) do total dos rendimentos computados na base da incidência da exação, especialmente por inexistir qualquer ressalva na legislação de regência (Lei nº 9.250/95 e Lei nº 9.532/97).
3. Segundo a legislação alusiva à Previdência privada, as contribuições (sem qualquer ressalva) para tais Entidades são despesas dedutíveis da base de cálculo do imposto de renda, até o limite de 12% (doze por cento) do total dos rendimentos computados da base de incidência da aludida exação, nos termos do art. 8º, II, ‘e’, da Lei nº 9.250/95 c/c o art. 11 da Lei nº 9.532/97.
4. As contribuições extraordinárias, destinadas ao saneamento das finanças da Entidade Fechada de Previdência privada, significam para o assistido manter o valor que até então vinha recebendo (justamente por não ser viável reduzir o benefício de complementação), razão pela qual as despesas correspondentes (valores vertidos de contribuição) podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto sobre a renda, observando-se, contudo, o limite de 12%, por força do comando normativo do art. 11 da Lei nº 9.532/97.
5. Nesse sentido restou decidido o PEDILEF nº 5008468-36.2017.4.04.7108/RS (RELATOR JUIZ FEDERAL GUILHERME BOLLORINI PEREIRA, JULGADO EM 26/10/2018), ocasião em que o TNU firmou a seguinte tese sobre a matéria (tema 171): ‘as contribuições destinadas ao saneamento das finanças da Entidade Fechada de Previdência privada podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto sobre a renda, mas dentro do limite legalmente previsto’.
6. Remessa necessária e Apelação interposta pela UNIÃO as quais se nega provimento.” (TRF da 2ª Região, Reexame Necessário n.º 5079239- 32.2019.4.02.5101, Relator: Desembargador Federal THEOPHILO ANTONIO MIGUEL FILHO, Julgamento 04/08/2020)
5. DA POSIÇÃO MONOCRÁTICA DO STJ DE 2022
A 4ª Turma do TRF-2ª Região, no ano de 2021, ignorando o padrão decisório já formado naquele momento, bem como a posição doutrinária fixada com clareza, deu provimento ao recurso para declarar que as contribuições extraordinárias não deveriam ser deduzidas no Imposto de Renda, sendo que “permitir a exclusão desses valores da base de cálculo do IRPF, em última análise, implicaria na socialização dos prejuízos das partes envolvidas no contrato de Previdência Complementar descrito nesta demanda, o que não se admite”.
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PREVIDÊNCIA PRIVADA. BENEFÍCIO COMPLEMENTAR. DESCONTO DE CONTRIBUIÇÕES EXTRAORDINÁRIAS. CUSTEIO DE DÉFICIT. COBERTURA DE PREJUÍZOS FINANCEIROS DA ENTIDADE. INDEDUTIBILIDADE DA BASE DE CÁLCULO DO IRPF. DESCABIMENTO DA AMPLIAÇÃO DAS HIPÓTESES LEGAIS DE ISENÇÃO TRIBUTÁRIA.
1 – A pretensão da parte autora reside seja declarada a “inexistência de obrigação tributária” sobre as parcelas de contribuição destinadas ao equacionamento de déficits de seu plano de Previdência Complementar, respeitado o limite legal de 12% ao ano.
2 – O resultado deficitário nos planos ou nas Entidades Fechadas será sanado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, na forma prevista no art. 21 da Lei Complementar nº 109, de 2001. Necessário averiguar, portanto, se as “contribuições extraordinárias” destinadas a cobrir déficit ocorrido no plano de Previdência Complementar realizadas pelo agravante, já na condição de “assistido”, poderão ser tratadas como rendimentos isentos e, como consequência, serem excluídas da base de cálculo do imposto sobre a renda de pessoa física, tal como as “contribuições normais”.
3 – Percebe-se que, conforme o artigo 11 da Lei nº 9532/97, nem todas as despesas podem ser abatidas do Imposto de Renda, e dentre as que podem, os valores de abatimento são limitados, salvo as despesas médicas. Assim, quem contribui a um plano de Previdência privada na modalidade Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) ou para fundo de pensão oferecido pela empresa pode deduzir as contribuições feitas ao longo do ano calendário da base de cálculo do Imposto de Renda até o limite de 12% da renda tributável ao efetuar a declaração pelo modelo completo.
4 – Conclui-se que os rendimentos recebidos de Entidades Fechadas de Previdência privada a título de complementação de aposentadoria são tributados, observadas as isenções elencadas no art. 39 do RIR/1999. Assim, os valores descontados do benefício recebido (complementação de aposentadoria) pelos assistidos de Entidade Fechada de Previdência Complementar com a finalidade de custeio de déficits (contribuições extraordinárias) integram o rendimento bruto para fins tributários, não podendo ser excluídos como se fossem parte isenta do rendimento.
5 – Por fim, a jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal (STF) vai de encontro ao pleito do agravante, conforme o ARE 1027716: “Por não possuir função legislativa, o Poder Judiciário não pode estabelecer isenções tributárias, redução de impostos ou alterar limites de deduções previstas em lei, com base no princípio da isonomia”. Por isso, não há como se ampliar a hipótese legal de dedução, que, afinal, não é nada além do que reduzir a base de cálculo, tarefa exclusiva da lei tributária, nos termos do § 6º do art. 150 da Constituição da República.
6 – Afinal, nos planos de Previdência Complementar, além de equacionamento do déficit, há também distribuição de superávit, e como previsto no artigo 21 da referida lei, caso haja déficit, este deverá ser dividido entre patrocinadores, participantes e assistidos. A autorização dada ao contribuinte pela lei tributária no sentido de autorizar deduzir as contribuições da base de cálculo até o limite de 12% é mero favor fiscal como forma de estímulo à adesão ao sistema.
7 – Ademais, permitir a exclusão desses valores da base de cálculo do IRPF, em última análise, implicaria na socialização dos prejuízos das partes envolvidas no contrato de Previdência Complementar descrito nesta demanda, o que não se admite.
8- Condenação da parte autora ao pagamento de honorários de sucumbência, fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, na forma do art. 85, § 3º, inciso I, do CPC.
8 [sic] – Remessa necessária e apelação provida.
(TRF da 2ª Região, Apelação Cível n.º 5038572-38.2018.4.02.5101, Relator: Desembargador Federal Luiz Antonio Soares, Julgamento 03/05/2021)
Desse modo, foi, então, interposto Recurso Especial para reformar a decisão de 2º grau, para demonstrar divergência jurisprudencial e violação infraconstitucional, sendo que, no final de 2021, ele foi autuado no STJ (inicialmente como Agravo em REsp, posteriormente convertido em Recurso Especial n.º 1.995.388/RJ, relatado pelo Desembargador Benedito Gonçalves).
Observe-se que, muito antes da Solução COSIT n.º 354, havia entendimento no Tribunal da Cidadania declarando que o limite de desconto previsto na Lei n.º 9.532/97, dos 12%, deveria ser respeitada, a despeito do volume de contribuições vertidas à Entidade.
Eis o relevante precedente do STJ, de extrema importância para a conclusão do caso:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DAS PESSOAS FÍSICAS. RENDIMENTOS RECEBIDOS DE ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. PRETENSÃO DE SER CONSIDERADO SOMENTE O LÍQUIDO. DESCABIMENTO. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE A TOTALIDADE DOS RENDIMENTOS. POSSIBILIDADE APENAS DE DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO FORMADA POR TODOS OS RENDIMENTOS TRIBUTÁVEIS DAS CONTRIBUIÇÕES À ENTIDADE, OBSERVADO O LIMITE LEGAL DE 12% DO TOTAL DE RENDIMENTOS TRIBUTÁVEIS.
1. A pretensão da Entidade autora é incluir na base de cálculo do imposto de renda somente o valor líquido recebido da Entidade privada.
2. Os benefícios recebidos de Entidades de Previdência privada compõem a base de cálculo do imposto de renda, por se enquadrarem na regra geral do art. 8º, I, da Lei 9.250/95 e expressa previsão específica do art. 33 da mesma lei.
3. Os rendimentos tributáveis são incluídos base de cálculo do imposto de renda pelo seu valor bruto (art. 8º, I, da Lei 9.250/95 c/c art. 3º da Lei 7.713/88).
4. Inexiste fundamento legal para os benefícios serem considerados pelo seu líquido, ou seja, deduzidos das contribuições à própria Entidade de Previdência privada.
5. Redução da base de cálculo sem previsão legal seria inconstitucional, a teor do art. 150, § 6º, da Constituição: “qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g”.
6. Uma vez somados os benefícios da Entidade de Previdência privada aos demais rendimentos tributáveis, a base de cálculo do imposto de renda poderá ser reduzida pela dedução das contribuições a Entidades de Previdência privada, nos termos do art. 8º, II, “e”, da Lei 7.713/88, desde que respeitado o limite de 12% dos rendimentos computados na base de cálculo (art. 11 da Lei 9.532/97).
6. Recurso Especial não provido.”
(REsp 1.354.409/CE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/2016, DJe 01/06/2016)
O objetivo daquele feito, anteriormente à COSIT n.º 354/2017, era que as contribuições extraordinárias deveriam ser deduzidas sem que houvesse limitação, do mesmo modo que o primeiro precedente da 2ª Turma do TRF-4ª Região, inclusive ultrapassando o teto dos 12%.
A intenção do STJ era a de que as contribuições extraordinárias deveriam ser consideradas para fins de dedutibilidade, respeitando-se as margens do art. 11, da Lei n.º 9.532/97.
Dessa forma, retornando ao julgamento do Recurso Especial n.º 1.995.388/RJ, o Desembargador Benedito Gonçalves, o qual já havia prolatado decisão monocrática ratificando a posição proveniente do REsp n.º 1.354.409/RS11, compreendeu o distinguishing, através do padrão decisório que foi formado pelo Tema n.º 171 do TNU, que desconstituía a Solução COSIT n.º 354, e perpetuou Jurisprudência do Tribunal da Cidadania, já que as contribuições extraordinárias deveriam ser deduzidas, respeitado o limite dos 12%.
Segue a ementa da decisão monocrática, prolatada em 29 de junho de 2022, dando provimento ao recurso, reformando o julgado da 4ª Turma do TRF-2ª Região:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. IRPF. CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA A ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. POSSIBILIDADE. LIMITE LEGAL DE 12%. ENTENDIMENTO DO STJ SOBRE O TEMA. INEXISTÊNCIA DE VÍCIOS. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
(…)
Os recorrentes sustentam violação do art. 1.022, II, parágrafo único, e 489, § 1º, VI, do CPC/2015 alegando que o órgão julgador “deixou de enfrentar a omissão argumentativa na interpretação de diversos dispositivos (em especial o art. 11, da Lei n. 9.532/97, e os arts. 19 e 69, parágrafo 1º, da Lei Complementar n. 109/2001), bem como deixou de seguir – aliás, sequer o enfrentou! – o padrão decisório materializado na Tese n. 171, do TNU” (fl. 307).
Apontam, além de dissídio jurisprudencial, violação dos arts. 11 da Lei n. 9.532/1997 e 19 e 69, § 1º, da Lei Complementar n. 109/2001, ao argumento de que o acórdão fez distinção das contribuições normal e extraordinária em favor da Entidade Fechada de Previdência, para fins de dedução no imposto de renda.
(…)
Isso porque o entendimento do STJ sobre o tema é no sentido de que a base de cálculo do imposto de renda são os rendimentos tributáveis no seu valor bruto, podendo-se reduzir da base de cálculo do imposto de renda as contribuições a Entidades de Previdência privada, desde que respeitado o limite de 12% dos rendimentos computados na base de cálculo (art. 11 da Lei 9.532/97), caso dos autos.
(…)
Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial, nos termos da fundamentação, reestabelecendo o dispositivo da sentença de primeiro grau (fls. 127/129), inclusive quanto aos ônus sucumbenciais.”
11 Ementa da decisão monocrática proferida em 17 de agosto de 2021:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 489, §1º, INCS. I E IV, 1.013, §§1º E 2º, E 1.022, INC. II, DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. IRPF. CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA A ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. POSSIBILIDADE. LIMITE LEGAL DE 12%. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO DO STJ SOBRE O TEMA. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
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O julgado, muito festejado pela mídia especializada12, é um marco para evidenciar o equívoco causado pela Receita Federal. Em que pese o caso não ter sido enfrentado pelo colegiado da Turma, por não ter sido interposto Agravo pela Fazenda, e tendo ocorrido o trânsito em julgado da decisão monocrática, não há dúvidas que o julgado é verdadeiro leading case para afastar a Solução COSIT n.º 354 e pacificar a questão da dedutibilidade das contribuições extraordinárias dentro do limite fixado no art. 11, da Lei n.º 9.532/97.
6. DA CONFIRMAÇÃO DA COSIT EM 2019
Em que pese todo o esforço argumentativo formulado pelos advogados, em pleitos administrativos, e dos precedentes que já eram prolatados pelos Tribunais Federais, houve prolação de nova Solução COSIT, ratificando integralmente a n.º 354, o que frustrou os contribuintes e aclarou o animus beligerante da Fazenda Nacional sobre o assunto:
Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA A PLANO FECHADO DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. INDEDUTIBILIDADE.
As contribuições extraordinárias, ou seja, aquelas que se destinam ao custeio de déficit, serviço passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal, às Entidades Fechadas de Previdência Complementar, não são dedutíveis da base de cálculo do imposto sobre a renda de pessoa física.
SOLUÇÃO DE CONSULTA VINCULADA À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 354 DE 06 DE JULHO DE 2017
Dispositivos Legais: Constituição Federal (com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993), art. 150, § 6º; Lei Complementar nº 108, de 29 de maio de 2001, art. 6º; Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, arts. 18 a 21, 68 e 69; Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, arts. 4º, inciso V, e, 8º, incisos I e II, alínea e; Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, art. 11; Instrução Normativa SRF nº 588, de 21 de dezembro de 2005, art. 6º.
Assunto: Processo Administrativo Fiscal
INEFICÁCIA PARCIAL
É ineficaz o questionamento, quando o fato estiver disciplinado em ato normativo publicado na Imprensa Oficial antes de sua apresentação.
Dispositivos Legais: IN RFB nº 1.396, de 2013, art. 18, VII.
(Solução de Consulta DISIT/SRRF06 n.º 6.005, de 26/02/2019, publicada em 01/03/2019) 7. DOS PRECEDENTES DO TNU
O Tribunal Nacional de Uniformização – TNU, formado pela Lei n.º 10.259/2001, tem a função de “processar e julgar pedido de uniformização de interpretação de lei federal, quanto à
12https://blog.abrapp.org.br/blog/stj-decide-a-favor-do-direito-de-deducao-do-imposto-de-renda-sobre contribuicoes-extraordinarias/ (consultado em 03 de novembro de 2023);
e
https://www.investidorinstitucional.com.br/sessoes/investidores/fundosdepensao/38712-stj-mantem-isencao tributaria-sobre-equacionamento-de-deficit.html (consultado em 03 de novembro de 2023).
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questão de direito material fundado em divergência entre decisões de turmas recursais de diferentes regiões, em face de decisão de turma recursal proferida em contrariedade à súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça ou da Turma Nacional de Uniformização, ou um face de decisão de Turma Regional de Uniformização proferida em contrariedade à súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça ou da Turma Nacional de Uniformização”13.
A reação do TNU, como já apresentado nesse trabalho, foi quase que imediata ao teor do Solução COSIT n.º 354, como se depreende do teor do julgado de n.º 5008468- 36.2017.4.04.7108/RS, que formou o Tema 171, verbis:
Ementa: REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PEDILEF. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. CONTRIBUIÇÃO DE ASSISTIDO PARA SANEAR AS FINANÇAS DA ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA E CONTINUAR A RECEBER INTEGRALMENTE O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. JULGADO TRAZIDO COMO PARADIGMA NÃO REFLETE A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, QUE, ALIÁS, AINDA NÃO ESTÁ SEDIMENTADA QUANTO À MATÉRIA. NÃO CONHECIMENTO DO INCIDENTE. SUPERADA A PRELIMINAR, NO MÉRITO PRETENDE O AUTOR A REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A RENDA PELA SUPERAÇÃO DO LIMITE DE DOZE POR CENTO PREVISTO EM LEI PARA AS DEDUÇÕES. A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SÃO FIRMES NO SENTIDO DE QUE O JUDICIÁRIO NÃO PODE ALTERAR OS LIMITES DE DEDUÇÃO 337 PREVISTOS EM LEI. ALÉM DISSO, MESMO QUE NÃO FOSSE O CASO DE SER DEDUTÍVEL, A PARCELA EXTRA (ADICIONAL) PAGA À ENTIDADE PRIVADA DE PREVIDÊNCIA CONSTITUI MERA RECOMPOSIÇÃO DO CAPITAL EM RAZÃO DO DÉFICIT NAS RESERVAS DESTINADAS AOS PAGAMENTOS DOS RESPECTIVOS PLANOS PREVIDENCIÁRIOS E, POR ISSO, É FATO INDIFERENTE AO DIREITO TRIBUTÁRIO E NÃO SE INCLUIRIA ENTRE OS VALORES DEDUTÍVEIS. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO.
Curiosamente é que, através de julgamento de embargos de declaração, houve alteração na ementa do julgado, a fim de que restasse asseverado que:
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. PEDILEF. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. CONTRIBUIÇÃO DE ASSISTIDO PARA SANEAR AS FINANÇAS DA ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA E CONTINUAR A RECEBER INTEGRALMENTE O BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. JULGADO TRAZIDO COMO PARADIGMA NÃO REFLETE A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, QUE, ALIÁS, AINDA NÃO ESTÁ SEDIMENTADA QUANTO À MATÉRIA. NÃO CONHECIMENTO DO INCIDENTE. SUPERADA A PRELIMINAR, NO MÉRITO PRETENDE O AUTOR A REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A RENDA PELA SUPERAÇÃO DO
13 Cfr. em https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/turma-nacional-de-uniformizacao (consultado em 6 de novembro de 2023).
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LIMITE DE DOZE POR CENTO PREVISTO EM LEI PARA AS DEDUÇÕES. A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA SÃO FIRMES NO SENTIDO DE QUE O JUDICIÁRIO NÃO PODE ALTERAR OS LIMITES DE DEDUÇÃO PREVISTOS EM LEI. INCIDENTE CONHECIDO E PROVIDO. Julgado em 26/10/2018 Transitado em julgado em 11/02/2020 (no STJ, PUIL 1438/DF)
Inclusive, em recente julgado, o TNU ratificou o entendimento emanado no Tema n.º 171, reconhecendo, agora no Tema n.º 311, de abril de 2023, que não importava a modalidade de tributação (completa ou simplificada) para pleitear repetição de indébito frutos das contribuições extraordinárias não deduzidas de base de cálculos anteriores (como força da malfadada Solução COSIT n.º 354). Segue, para compreensão, a ementa do julgado, oriundo do PEDILEF 5007219-06.2020.4.02.5102/RJ, relatado pelo Juiz Federal FRANCISCO GLAUBER PESSOA ALVES:
Ementa: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE LEI FEDERAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. NÃO INCIDÊNCIA SOBRE AS CONTRIBUIÇÕES EXTRAORDINÁRIAS A ENTIDADES DE PREVIDÊNCIA PRIVADA NAQUILO EM QUE SUPEREM O LIMITE DEDUTÍVEL DE 12% PREVISTO NO ART. 11 DA LEI Nº 9.532/97. IRRELEVÂNCIA DO MODELO DE DECLARAÇÃO DE AJUSTE ANUAL APRESENTADO PELO CONTRIBUINTE. APRESENTAÇÃO DA DECLARAÇÃO SIMPLIFICADA QUE É UMA OPÇÃO OFERECIDA PELA NORMA JURÍDICA E QUE NÃO PODE IMPLICAR EM PREJUÍZO AO CONTRIBUINTE QUE TENHA RECONHECIDO DIREITO A DEDUÇÃO POSTERIORMENTE. IMPOSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO, PELO JUDICIÁRIO, DE ÔNUS TRIBUTÁRIO A MAIOR DO QUE O PREVISTO EM LEI PARA O CONTRIBUINTE NO AGUARDO DO DESFECHO DO RECONHECIMENTO JUDICIAL DO DIREITO À DEDUÇÃO. PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E BOA-FÉ APLICADOS AO DIREITO TRIBUTÁRIO. CRÉDITO AFERÍVEL A PARTIR DA SIMULAÇÃO DA DECLARAÇÃO COMPLETA NA FASE DE CUMPRIMENTO, INDEPENDENTEMENTE DE TER SIDO UTILIZADA A DECLARAÇÃO SIMPLIFICADA. TESE ORA FIXADA NO TEMA 311 DOS REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA DA TNU: “A REPETIÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO ORIUNDO DA DEDUÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES DA BASE DE CÁLCULO DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DO ASSISTIDO, DESTINADAS A ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA, É DEVIDA INDEPENDENTEMENTE DO MODELO DE DECLARAÇÃO (COMPLETO OU SIMPLIFICADO) APRESENTADO PELO CONTRIBUINTE NOS EXERCÍCIOS ANTERIORES, SEMPRE OBSERVADO O LIMITE DE 12% SOBRE O TOTAL DE RENDIMENTOS RECEBIDOS NO EXERCÍCIO RESPECTIVO”. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO PROVIDO. APLICAÇÃO DA QUESTÃO DE ORDEM N. 20 DESTA TNU. Julgado em 28/04/2023 Transitado em julgado em 20/09/2023
Como se vê, no Tema n.º 311, houve a análise da possibilidade de se condicionar a repetição de indébito à modalidade de tributação (completa ou simplificada) apresentada pelo contribuinte, sendo certo que a tese firmada foi: “a repetição do indébito tributário oriundo da dedução das contribuições da base de cálculo do imposto sobre a renda do assistido, destinadas a Entidade de Previdência privada, é devida independentemente do modelo de declaração (completo ou
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simplificado) apresentado pelo contribuinte nos exercícios anteriores, sempre observado o limite de 12% sobre o total de rendimentos recebidos no exercício respectivo”.
8. DO RECENTE PRECEDENTE COLEGIADO DO STJ DE SETEMBRO DE 2023
No mesmo sentido dos julgados que possibilitaram a dedução, encontra-se o recente precedente da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgado em setembro do presente ano.
Pronuncia o Colegiado que contribuições extraordinárias pagas para equacionar o resultado deficitário nos planos de Previdência privada podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto de renda, observado o limite de 12% do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto, não diferenciando as contribuições normais ou extraordinárias, somente exigindo que elas sejam destinadas a custear benefícios Complementares semelhantes aos da Previdência Social:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. IMPOSTO SOBRE A RENDA DAS PESSOAS FÍSICAS (IRPF). BASE DE CÁLCULO. DEDUÇÃO. CONTRIBUIÇÃO AO PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. CONTRIBUIÇÃO EXTRAORDINÁRIA. RECOMPOSIÇÃO DE RESERVA DEFICITÁRIA. POSSIBILIDADE. LIMITE LEGAL DE 12%. OBSERVÂNCIA.
1. Não se configura a nulidade do acórdão recorrido por negativa de prestação jurisdicional quando o Tribunal de origem aprecia integralmente a controvérsia, apontando as razões de seu convencimento, mesmo que em sentido contrário ao postulado, circunstância que não se confunde com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.
2. Discute-se, no caso, a possibilidade de o participante de plano de Previdência privada deduzir, da base de cálculo do imposto de renda, os valores destinados ao fundo a título de contribuição extraordinária, paga para recompor as reservas financeiras deficitárias.
3. Da dicção dos arts. 19 e 21 da Lei Complementar n. 109/2001, extrai-se que todas as contribuições destinadas à constituição de reservas, sejam elas classificadas como contribuição normal ou extraordinária, têm como objetivo final o pagamento dos benefícios de caráter previdenciário, sendo inviável, ainda, concluir que os valores vertidos pelo participante, em razão da constatação de que as reservas financeiras do fundo estão deficitárias e devem ser recompostas, possam ter função outra senão a garantia de que o benefício acordado será devidamente adimplido.
4. Os arts. 8º, II, “e” da Lei n. 9.250/1995 e 11 da Lei n. 9.532/1999, explicitam regras para dedução das contribuições feitas aos planos de Previdência privada da base de cálculo do imposto de renda, as quais são consideradas despesas dedutíveis até o limite de 12% do total dos rendimentos computados da base de incidência do referido tributo, sendo certo que esses dispositivos não trazem qualquer diferenciação entre as espécies de contribuições pagas pelos participantes ao plano de Previdência privada – normais ou extraordinárias, sendo que a única exigência legal é de que essas sejam “destinadas a custear benefícios Complementares assemelhados aos da Previdência Social”, redação que se revela bastante similar àquela adotada no caput do art. 19 da Lei Complementar n. 109/2001.
5. As contribuições extraordinárias pagas para equacionar o resultado deficitário nos planos de Previdência privada podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto de renda, observado o limite de 12% do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos.
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6. Agravo em recurso especial conhecido para negar provimento ao recurso especial.
(AREsp 1.890.367/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/09/2023)
9. DO NOVEL POSICIONAMENTO DO STJ
De forma totalmente destoante ao posicionamento adotado, em setembro/2023, pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça sobre tema análogo, os ministros da 2ª Turma do STJ, por unanimidade, decidiram pela impossibilidade de dedução das contribuições extraordinárias à previdência privada da base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Física, quando do julgamento do REsp 1.937.545/PB.
A manifestação divergente à impossibilidade de dedução das contribuições extraordinárias se deu após a ministra Assusete Magalhães proferir voto-vista acompanhando o entendimento do relator, o Ministro Francisco Falcão, que, em 09/05/2023, apresentou voto dando provimento ao recurso da Fazenda Nacional, que defendeu a tese de que as normas aplicáveis à espécie não reconhecem a possibilidade de dedução das contribuições extraordinárias, destinadas à cobertura do déficit, da base de cálculo do IRPF.
Destaca-se que o órgão fazendário argumentou, também, que:
(i) o sistema jurídico brasileiro repele que se instituía isenção por intermédio de construção conceitual ou por analogia, com base no art. 111 do CTN;
(ii) o tratamento tributário das contribuições extraordinárias difere daquele dado às contribuições normais, porquanto aquelas não se destinam a custear os benefícios complementares; e
(iii) o bis in idem somente existiria se os valores pagos a título de contribuições extraordinárias servissem para ampliar a reserva individual dos participantes; contudo, os valores vertidos de contribuições extraordinárias servem exclusivamente para o custeio do déficit geral.
Por outro lado, a parte adversa, que no caso se trata da Associação do Pessoal da Caixa Econômica Federal PB sustentou que a contribuição extraordinária não constitui fato gerador do imposto de renda, pois que visa manter o benefício futuro, para que não haja o decréscimo patrimonial.
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A Associação inferiu, ainda, que, em função do disposto no §6º do art. 11 da Lei n.º 9.250/1995, os valores de tais contribuições podem ser integralmente dedutíveis das declarações de ajuste, sem o limite de 12%.
Das alegações apresentadas pela Associação e pela Fazenda Nacional, a 2ª Turma da Corte Superior, em uma inesperada manifestação, entendeu, sinteticamente, que “Acaso também fosse do interesse do legislador permitir a dedução dos valores revertidos ao custeio de déficit, a norma certamente indicaria apenas o termo “contribuições destinadas aos planos de previdência complementar” ou nomenclatura similar, em vez de citar exclusivamente as contribuições destinadas a custear benefícios complementares.” 14
Como se vê, ainda existe muita discussão acerca dessa matéria, considerando, sobretudo, os posicionamentos diversos manifestados pelas 1ª e 2ª Turma do STJ.
14 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial.º 1937545 – PB. Ementa. Associação do Pessoal da Caixa Econômica Federal PB versus Fazenda Nacional. Relator: Francisco Falcão. Brasília, 09 de novembro de 2023
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CONCLUSÃO
Por todo o exposto, cabe-nos concluir que tributar a contribuição extraordinária de participantes, que se trata de valores vertidos por estes, em razão da constatação de que as reservas financeiras do fundo estão deficitárias e devem ser recompostas, para a garantia de que o benefício acordado seja devidamente adimplido, é cruel, e viola a própria legislação que autoriza a dedução, independentemente se é normal ou extraordinária.
Isso porque, as contribuições pagas pelo participante para custear déficit do plano de previdência privada também servem para garantir o cumprimento do objetivo principal almejado por quem adere ao plano, ou seja, de manter o recebimento dos benefícios acordados, na forma como estipulado à época da inscrição.
Assim, o entendimento do presente trabalho é no sentido de que as deduções relativas às contribuições para Entidades de Previdência privada, tanto normais quanto extraordinárias, são limitadas a 12% da totalidade dos rendimentos da determinação da base de cálculo do imposto de renda, de acordo com os artigos 11, da Lei n.º 9.532 de 1997, 19 e 69, parágrafo 1º, da Lei Complementar n.º 109 de 2001.
Conforme demonstrado, a análise jurisprudencial expõe a incongruência entre a interpretação da Receita Federal e a proteção dos direitos dos contribuintes, ressaltando a essencialidade de uma abordagem mais alinhada com os princípios legais e constitucionais, a partir da manifestação de que as contribuições extraordinárias pagas para equacionar o resultado deficitário nos planos de previdência privada podem ser deduzidas da base de cálculo do imposto de renda, observado o limite de 12% do total dos rendimentos computados na determinação da base de cálculo do imposto devido na declaração de rendimentos.
Ademais, ressaltou-se, ao longo do trabalho, o equívoco da Solução COSIT n.º 354 de 2017, uma vez que os precedentes proferidos, inclusive o julgado de setembro/2023 do Colegiado do Superior Tribunal de Justiça, demonstram que a jurisprudência dos Tribunais, ainda que relativamente controversa, com o a recentíssima decisão da 2ª Turma do STJ é, em sua maioria, contrária à interpretação da referida Solução.
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Por conseguinte, conclui-se que os militantes da área jurídica, assim como os contribuintes, ambos legitimamente interessados, estão ansiosos no aguardo da sedimentação do tema, e que o entendimento dos Tribunais seja registrado de forma positiva para os interessados.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial.º 1937545 – PB. Relator: Ministro Francisco Falcão. Brasília, 09/11/2023.
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BRASIL. TRF da 2ª Região, Reexame Necessário n.º 5037092-25.2018.4.02.5101, Relator: Desembargador Federal Marcus Abraham. Julgamento 03/03/2020.
BRASIL. TRF da 2ª Região, Reexame Necessário n.º 5079239- 32.2019.4.02.5101, Relator: Desembargador Federal Theophilo Antonio Miguel Filho. Julgamento 04/08/2020.
BRASIL. TRF da 2ª Região, Apelação Cível n.º 5038572-38.2018.4.02.5101. Relator: Desembargador Federal Luiz Antonio Soares, Julgamento 03/05/2021.
BRASIL. TRF da 4ª Região. Apelação Cível n.º 5022971-77.2017.4.04.7200. Rel. Desembargador Federal Sebastião Ogê Muniz. Julgamento 11/2019.
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BRASIL. TRF da 4ª Região. Apelação Cível n.º 5000352-57.2017.4.04.7135. Rel. Juiz Federal Francisco Donizete Gomes. Julgamento 11/2019.
BRASIL. TRF da 4ª Região. Apelação Cível n.º 5000361-33.2018.4.04.7119. Rel. Desembargador Federal Sebastião Ogê Muniz. Julgamento 20/11/2019.
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